O Porco, as Papas de Sarrabulho e a “mantença do lar Minhoto”
As Papas de Sarrabulho são uma preparação culinária com elevado valor tradicional para a região minhota, inevitavelmente associadas à matança do porco.
No ritual da matança do porco, contempla-se um aproveitamento de todas as partes do animal como matéria gastronómica a considerar, sobretudo aquelas que não podendo ser conservadas (pela salga ou pelo fumo) são imediatamente cozinhadas. Falamos do que se designa na região por “colada” ou “fressura” do porco, e que corresponde às vísceras do animal (pulmões, traqueia, esófago, goela) que, juntamente com o sangue cozido surgem na constituição deste prato.
"No ritual da matança do porco, contempla-se um aproveitamento de todas as partes do animal como matéria gastronómica a considerar..."
Ingredientes para as Papas de Sarrabulho
Nos primeiros dias de inverno rigoroso, quando as geadas encristam o chão que estala quando o pisamos, as manhãs frias e silenciosas do Minho, são despertadas pelos guinchos do porco que percorre um pequeno caminho da corte até ao seu último propósito. Este ato excitante e bárbaro, junta a família num dia de corrupio entre as salgadeiras, o alguidar e a grande fogueira para chamuscar o animal antes de o limpar.
A matança do porco não é apenas um mero ato no sentido mais estreito do objetivo de matar o porco para o tornar alimento, é um evento familiar onde se juntam novos e velhos para celebrar o ano de trabalho, um ano que não se esgota na alimentação do animal, mas em toda a plenitude da vivência familiar. Para as famílias, é essencial que a alimentação do animal o torne num roliço, bem tratado e saudável porco. Era, e ainda é para um grupo agora menor de famílias, a única forma de garantir o alimento para o resto do ano.
Carnes para as Papas de Sarrabulho
"A matança do porco não é apenas um mero ato no sentido mais estreito do objetivo de matar o porco para o tornar alimento, é um evento familiar onde se juntam novos e velhos para celebrar o ano de trabalho..."
As Papas de Sarrabulho podem assim ser concetualizadas como uma identidade que foi diferenciada e que emergiu de processos interativos que os minhotos experimentaram na sua realidade quotidiana através dos momentos de reuniões familiares, com rituais próprios e muito marcados, nas memórias de crianças e adultos. Assim sendo, podemos dizer que a gastronomia assume um papel fundamental na experimentação e divulgação da cultura de uma região ou de um povo e que representa a evolução do homem e da sociedade onde se insere.
Como confecionar as Papas de Sarrabulho à moda de Amares
No entanto, esta tradição é cada vez mais posta em causa, com o aumento de alternativas alimentares com menos produtos de base animal. O uso de sangue, é associado à perceção do sofrimento do animal, provocando um distanciamento das pessoas da gastronomia tradicional e de pratos como as papas de sarrabulho, arroz de cabidela, verde e enchidos.
Esta questão tem levantado algumas discussões sobre a preservação desta cultura tão minhota e as papas de sarrabulho correm um risco significativo quanto à preservação do sangue no seu processo de confeção, e se assim for, perde também a sua autenticidade.
Tal como o próprio ritual da matança do porco, que se encontra a desaparecer do território, merecendo também ela uma abordagem cuidada e uma análise reflexiva.
Resta-nos esta tendência recente, conforme o nosso artigo anterior Nose-to-Tail: Uma abordagem sustentável e de respeito pela cozinha, em especial nos EUA, para uma "filosofia culinária que preconiza a utilização integral de um animal na cozinha, desde o focinho ("nose") até à cauda ("tail"). Esta abordagem tem origem em práticas ancestrais (bem conhecida e desenvolvida pelos portugueses) que valorizavam cada parte do animal e tem vindo a ganhar destaque contemporâneo sobretudo através de chefs e defensores da sustentabilidade alimentar."
O que traz consigo, uma nova esperança para preservação destes pratos tão ricos culturalmente que transportam consigo, práticas e saberes únicos da região de entre o Douro e o Minho!